Por DIEGO MÜLLER

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A viola...


...E sua importância no folclore gaúcho! 

(J. C. Paixão Cortes - Trabalho Apresentado pelo Dep. de Pesquisa e Divulgação do Folclore da Ordem dos Músicos do R.G.S.) 


Para quem ouve hoje em dia as programações gauchescas de nossas Rádios, assiste a execução de componentes de Centros de Tradições ou vê pela Televisão “shows” de artistas regionais, dificilmente será dado conceber que os instrumentos atuais sejam os mesmos daqueles que na aurora da música “campechana” acompanharam as vozes e os fandangos de “dantes”. Hoje em dia é difícil (ainda mais no nosso meio "festivaleiro" e "fonográfico", resumido à músicas e influências "de fronteira") escutarmos ou assimilarmos o uso da viola em nossa musicalidade, e do quando ela nos foi importante, e ainda é, se falarmos em FOLCLORE!



- A VIOLA - 

A viola é um instrumento cordófono, em que as cordas transmitem sua vibração ao ar. Chegou ao Brasil através dos portugueses, e parece ser remanescente da cultura mourisca, que deixou profundos sulcos na península ibérica. “O século do povoamento brasileiro, o século XVI, foi a época do esplendor da viola em Portugal, expresso nos autos de Gil Vicente e nos cancioneiros”. 

“No Brasil, em muitas regiões do nosso homem rural, continua a viola como o instrumento mais popular, não só para acompanhamento do canto, como também da dança. No entanto, ao aclimatar-se a viola em terras brasileiras, sofreu algumas modificações, não só na sua morfologia com o no número de cordas. É a lei da evolução. Evoluiu tanto, que nós conhecemos no Brasil, cinco tipos distintos de violas de corda de aço : a paulista, a cuiabana, a angrense, a goiana e a nordestina. 

Embora não tenhamos encontrado definição do vocábulo “viola” em nenhum dos Dicionários regionais gauchescos – antigos ou modernos – podemos dizer que no Rio Grande do Sul o reinado da viola como instrumento solista nos bailes de salão, nos fandangos batidos, entre os “tiradores” de Reis e cantadores de Quero-mana, em “aporfia e nas cantigas do Divino Espirito Santo, ultrapassou a guerra do Paraguai para ir desaparecer nos primórdios deste século, conjuntamente com as últimas manifestações das danças sapateadas e de par solto. O francês suíço Jean Charles Moré, que aqui chegou em 1841 e se estabeleceu com negócios, nos diz que “no campo rara é a casa em que não se encontra uma guitarra (viola).. Quase toda a família sabe tocar o instrumento e desse modo facilmente se improvisa uma dança peculiar na região, que só apresenta semelhança com as danças usadas em terras de Espanha. As melodias são muito simples e um tanto monótonas, mas atraentes e, dada a sua correlação com certos aspectos locais, gravam-se afinal na memória”. 

As mais vivas informações sobre esse instrumento nos levam a acreditar que, embora o original pudesse ter vindo com o colono açoriano, a popularização da viola, na então Província de São Pedro, deu-se pelos tropeiros paulistas através do famoso “corredor das tropas de mulas”. Os mais velhos violeiros que conhecemos viveram nos campos de Cima da Serra, Planalto Médio e Encosta da Serra do Mar, onde ainda hoje se evidencia a influência bandeirante na formação do então tipo do “biriva” riograndense. Aliás, o grande folclorista de São Paulo, Alceu Maynard de Araújo, nos dá um curioso informe, quando diz : “Trago para estas páginas o testemunho insuspeito de meu avô materno, Virgílio Maynard, tropeiro, que dos 12 aos 60 anos de idade, isto é, desde 1870 palmilhou as ínvias estradas do Rio Grande e São Paulo. Contava que nunca vira seus peões e camaradas viajarem sem suas violas, quase sempre conduzindo-as dentro de um saco, amarrado à garupa do seu animal vaqueano”. 

“Não havia, pouso em que, após o trabalho azafamado do dia, não tocassem, antes de dormir o sono reparador. Quando a zona era infestada por animais ferozes e havia necessidade de dormir com o fogo noite a dentro, o violeiro, ao interregno de lançar achas ao braseiro, plangia ... sua viola dolentemente”. 

Sinceramente, ainda não dispomos de elementos para saber se a guitarra espanhola teria contribuído com algo para o tipo da viola gaúcha. Nicolau Dreys (1818) e Ave Lallemant (1851) nos dão ciência de uma guitarra entre os nossos homens do campo, sem maiores esclarecimentos, bem como religiosos que viveram nas Missões Jesuíticas, como é o caso do Padre Gay. 

“Como relíquia se conserva na dita igreja uma bandeira do cabildo do povo da cruz que é o único dos povos jesuítas entre o Uruguay e o Paraná que conserva uma pequena povoação de índios, mas quando por circunstâncias nos domingos e dias de festas a pequena povoação de índios e mestiços enche a igreja, um jovem cristão guarani celebra o oficio de tarde e um índio dirige o coro que acompanham algumas guitarras, uma flauta e algumas violas”. 


Em nossas pesquisas, que se estenderam por Santa Catarina a dentro, encontramos, por esses rincões, recitativos e “ordens de comando”, na “Meia-Canha” (“Relacione”, também chamada) , como estas : 

“Para la guitarra 
Pra eu dizer minha relacion” 

Interrompia a música, e o dançarino recita : 

Eu dizer não digo 
E pedir não peço 
Siga la guitarra 
Já cantei meu verso. 

Em São Paulo, o folclorista José Nascimento de Almeida Prado, registra uma dança de nome "Guitarra”, levada pelos gaúchos, quando dos invernadeiros de tropas pelas mediações de Itaberá”. “Terminando o verso – descreve, num de seus trabalhos o citado folclorista – em regra acompanhando de grandes gargalhadas de todos, o improvisador virava-se para o tocador e dizia : “Siga la guitarra”; e a dança continuava, tocando a vez a outro, e ia repassando todos os que dançavam, podendo se quisesse qualquer fazer outros versos, sendo não raro uma coisa assim : “Pára la guitarra (como se dizia na repetição) pára la guitarra que ainda tenho o que dizê”; e não raro esgotava os versos ou embatucava , esquecia, e virando-se para o tocador , exclamava : “Siga la guitarra que eu tornei a se esquecê. E assim continuavam horas seguidas, debaixo de grande hilariedade”. 

(Viola caipira)

Esses registros chamam-nos a atenção. No entanto, nossas investigações de campo, nos levam a acreditar que a guitarra das bandas Cisplatinas ou mesmo a “viguela”, com que José Hernandes inicia seu celebre canto Martin Fierro, em nada , influiu no tipo da viola gaúcha. 

O Dr. Pedro Duval, ilustre professor de violão, profundo estudioso desse instrumento, nos prestou pessoalmente os preciosos esclarecimentos que seguem : “Pelo menos desde meados do século XV , viola foi sempre em Portugal a denominação corrente da “Guitarra Espanhola”. Em meados do século XVI já encontramos esse instrumento dotado de 5 pares ou ordens de cordas (com quanto ainda se os encontrassem de apenas quatro) e dez cravelhas. 

Subsiste assim ainda na segunda metade do século XVIII, quando sofre diversificada evolução : uma em Portugal, ao parecer por obra de Manoel da Paixão Ribeiro (Nova Arte da Viola, Coimbra, 1789), que lhe acrescentaria bordões (oitava grave) às ordens 4.a e 5.a triplicando-as, e desse modo ficando o instrumento dotado de doze cravelhas; e outra revelada nos tratados publicados em 1799 na Espanha, um dos quais de autoria de famoso mestre Português, e pelos quais se vê que o instrumento já está dotado de 6 ordens e apenas 11 cravelhas, devido a ser simples a primeira ordem (“Prima” corda mais aguda), como conseqüência – de aperfeiçoamento a que experiência conduziu. 


As cordas duplas eram afinadas ao uníssono, à execução da 6.a ordem, constituída de cordas de diferentes diâmetros, uma das quais afinava uma oitava mais grave do que a outra. 
Poucos anos depois, no inicio do século XIX, já se encontra esta viola de 6 cordas simples, e com a mesma afinação da anterior. Tendo vindo da França para Portugal, deu-se-lhe a denominação de “Viola Francesa” e por ser o instrumento de som mais grave e de maior tamanho do que as violas anteriormente conhecidas, chamaram-no os portugueses , de “Violão”. 

A chamada “vihuela de mano” não era mais do que a viola aristocrática, o instrumento dos músicos eruditos, que se tocava “ponteado”, isto é, nota por nota, e que teve pleno uso de meados do século XVI a meados do século XVII. Era maior do que a viola popular, chamada “Guitarra Espanhola”, possuía geralmente 6 ordens de cordas, das quais a “Prima” porém simples, verificando-se um total de 11 cravelhas. E notando-se também que eram usuais cordas de tripa nas três primeiras ordens, ao passo que na viola popular eram estas sempre metálicas”. 

A nossa viola parece ser herança deixada pelos bandeirantes, que quando chegaram ao Rio Grande, já traziam dois séculos e meio de Brasil-Colônia. 
Em nossos longos anos de pesquisa folclorica encontramos no Estado só 4 violas autenticamente antigas, pois, as que atualmente vem sendo usadas por duplas e trios em programas de rádio, palcos e picadeiros de circos, são de industrialização recente e feitas em série, por fábricas paulistas. 

As peças que conhecemos estão no Museu Ítalo Gauchesco Abramo Eberle, do Centro de Tradições Gaúchas Paixão Côrtes, de Caxias do Sul; com a então família Os Paulinos, em Bom Retiro (1956), no Museu da Sociedade dos Caixeiros Viajantes, em Santa Maria, (desapareceu) e uma em nosso poder, adquirida em 1951 do fazendeiro vacariano João do Moerão, (faleceu com mais de 90 anos de idade nos primeiros anos da década de 1960) e que ganhara de presente quando mocito de seu pai. 

(Almir Sater e Tião Carreiro)

A viola gaúcha, pelo que nos foi possível pesquisar, podemos defini-la como sendo menor do que o violão (mede em torno de 80 cm de comprimento) e com as seguintes características gerais : “Caixa de ressonância” – faz lembrar pelas dimensões e formato, os violões em voga, na França, ao tempo de Luiz XIV, sendo que a tampa da frente (tampo) pode ser lisa, com incrustações rústicas feitas a canivete e faca ou com aplicações de madeira, em alto relevo. Descansando sobre o tampo temos o cavalete de madeira, simples ou trabalhado. Paralelo ao cavalete está o rastilho. A tampa posterior ou “costa”, também assim chamada em São Paulo, geralmente é lisa e inteiriça, sendo que o aro (7,5 cm) pode receber incrustações ou não. A madeira desta parte deve ser fina e flexível para formar bem a “cintura da viola”. O tampo habitualmente é feito de pinho, podendo a “costa” ser também de cedro ou canela, segundo nos informou Santiago Dré, de 86 anos, morador do município de Barracão. 

A largura média do bojo na parte inferior é de 24 cm e a superior de 17 cm. O comprimento da caixa de ressonância anda ao redor de 38 cm. 
Tem uma “bôca” com 7 cm de diâmetro e seu formato é o de uma circunferência. Pode encontrar-se em seu redor, às vezes , incrustações simples, ou trabalhadas em madeira, com tonalidades distintas. 


O “braço” tem uma largura de 4,5 cm e um comprimento em torno de 43 cm sendo que destes, 22 cm correspondem às 10 ou 12 divisões ou “trastes” de metal, aplicados sobre o espelho, transversalmente. Nos restantes 21 cm estão distribuídas as “cravelhas” de madeira, em número de 10 a 12. Estas correspondem ao número de cordas da viola. O formato da parte a que nos referimos agora – os paulistas chamam de “palheta” – apresenta-se em mais de um modelo, sendo que às vezes vamos encontrar um orifício na parte superior que serve para pendurar a viola. 

“Cordas” – Conforme o número delas – 5 ou 6 - duplas classifica-se o instrumento em “meia viola” ou “viola inteira”, respectivamente. As cordas eram metálicas, aço ou latão – e vendiam-se em pequenos carretéis de madeira (possuímos mais de um), marcados com um número que correspondia à ordem de sua colocação na viola. Esta , ao ser guardada, deveria ser desafinada, a fim de que o encordoamento não viesse a prejudicar o instrumento, devido às variações de temperatura. 

São do nosso cancioneiro popular de outrora, as silvas que seguem : 

“Duas, cinco, oito, dez cordas 
Rebento desta viola, 
E continuo tocando 
Com o mesmo jeito pachola 

O tocador de viola 
Merecia um bom encosto, 
Uma galinha bem gorda 
E uma china de seu gosto 

A viola sem a prima 
A prima sem o bordão, 
Parece filho sem pai 
Ausente do seu irmão”. 

Quem sonar uma viola 
Bote nela sua atenção 
De pura alegria chora 
Se é tristeza, ri então. 

Tenho uma viola nova 
Que me dá o alimento, 
Com ela mato a saudade 
Quando tenho sentimento. 

O Padre José Luiz de Fraga, referindo-se ao folclore açoriano, registra dezenas de melodias, danças e quadrinhas, das quais extraímos : 

“A Virgem Nossa Senhora 
Vai pelo Mosteiro fora 
Em manguinhas de camisa 
Tocando numa viola 

A viola era de oiro 
As cordas de prata fina 
Dedos que nela tocavam 
Eram de glória divina 

A viola tem dez cordas 
Juntamente dois bordões 
E acima do cavalete 
Também tem dois corações” 

(Viola portuguesa)

As duas primeiras são “embalos” ou melhor, “cantigas de ninar”, e a última uma “chamarrita”. 
A viola e a rabeca eram outrora os companheiros inseparáveis do tambor nas “folias do Divino” como pesquisamos e como exemplifica Luiz Araújo Filho, em sua “As Recordações Gaúchas (1903) e citado por Augusto Meyer. 

Diz-se que entre as muitas “tiranas” que existem no período da Revolução Farroupilha – “tirana grande”, “tirana dos farrapos”, “tirana do ombro”, “tirana das coxilhas” – uma existiu, denominada de “tirana tremida” que assim era chamada devido a maneira particular do violeiro fazer vibrar (tremer) as cordas da viola. 

“Nessas diversas peças de música rústica, do fandango, formada das mais elementares combinações de sons, sobressaiam certas notas graves tão sublimes que testavam intensamente, umas o sentido de alegria, as outras a tristeza, a saudade de recordações longínquas, acompanhadas de certo abalo sentimental, muito principalmente no anú e na tirana, cujos sons melódicos da prima e da segunda corda da viola eram os mais tocantes. Se um hábil maestro se preocupasse a compor uma ópera com todos esses tipos musicais, isto é, as peças do fandango, sairia talvez a mais encantadora e a mais bela ópera da harmonia (Ensaio sobre os Costumes de Cezimbra Jacques, 1883). 

Era comum nos motivos do fandango, os violeiros “pontearem , isto é, tirar nota por nota das cordas da viola sendo comum o uso da unha do dedo polegar, fazendo as vezes da popular dedeira atual, essa melodia assim executada (cantilenas) era entre uma dança e outra, ou melhor, entre os sapateios. 

Aliás, nesta parte o ritmo também era cadenciado por bater de palmas, rufar de pés e tinir de esporas dos fandangueiros, como tivemos oportunidade de ver e gravar em Campo Bom. 

Comentando a partitura impressa da Dança da Tirana, no seu Anuário de 1903, Graciano Azambuja, entre outras coisas, nos deixa o seguinte, a respeito da referida música : “Os acompanhamentos são típicos, exatamente como são feitos ao violão ou à viola. Os acordes assinalados com uma pequena cruz significam as pancadas que todo o tocador gaúcho costuma dar no tampo superior do instrumento com as pontas dos dedos”. 

No Cancioneiro Guasca, de Simões Lopes Neto referindo-se o autor a dois modelos de desafios entre Malaquias e Agache, e Juquinha da Tapera e Chico Cigarra, este em “Descante à viola”, encontramos duas quadrinhas que nos parecem dizer também da modalidade de “rasgar” a viola : 

“Quero ainda experimentar-te; 
Se és cantador de talento 
Num rasgado da viola 
Me diz o que é casamento ?” 

“Como matungo de lei 
Posso ser, porem no pinho 
Pois num rasgado sou mestre 
E na trova ando sozinho” 

O toque rasgado - que eqüivaleria ou seria semelhante ao rasqueado espanhol – consistia em comprimir e arrastar com rapidez sobre as cordas a extremidade exterior dos dedos da mão direita. 
A viola era o instrumento principal da dança Fandango, sendo que a maneira rasgada de bater as notas para dar o ritmo desse tema coreografico, era importante para cadenciar o sapateio dos dançarinos gaúchos, como tivemos oportunidade de verificar nos registros sonoros que fizemos dessa dança. 

“Minha viola está dizendo 
Que a prima está com dor 
Minha gente venha ver 
a fama do tocador” 

(Orquestra de violas)

Acontecimento inédito nos dá Múcio Teixeira, em “Os Gaúchos” (1920) quando nos diz de celebre tocador de viola Vitorino Rascada, que os Presidentes da Província faziam questão de ouvir tocar, pois ia propositadamente rebentando, uma por uma, as cordas de seu maravilhoso instrumento, até que, só com a última executava então o Hino Nacional. 

Também sobre destacado violeiro, João Cezimbra Jacques (Ensaio sobre os Costumes do Rio Grande do Sul – 1883), nos dá este informe : “As diferentes peças eram tocadas na viola, da qual havia tão bons tocadores que tiravam notas de diversas cordas desse instrumento imitando choros, suspiros e gemidos, dentre os quais tocadores destacava-se Zeferino Rascada, que arrebentando as cordas, tocava só numa (a prima) , as peças que queria”. 

Ficamos em dúvida. Seria Zeferino o mesmo violeiro a que se refere o autor, anos mais tarde (1912) em seu Assuntos do Rio Grande do Sul, Página 28 ? ... “tivemos exímios tocadores como Victorino Rascada nesta capital e que muitas vezes dava tocatas no palácio presidencial, com brilhante sucesso”, Múcio Teixeira teria se baseado nesta ultima informação de Cezimbra Jacques ou conhecera realmente Victorino ? Perguntamos nos : Victorino seria irmão ou parente de Zeferino ? ou a mesma pessoa ? Rascada era sobrenome ou advinha de Rasgada, maneira de tirar notas da viola ? Não poderia ter havido erro de imprensa, trocando-se G e C ? 

Mas Cezimbra Jacques em “Assuntos do Rio Grande do Sul”, mais adiante acrescenta o nome de outros violeiros como : Bernardino Felix, em São Jerônimo; Silvio Cardoso, em Upamarotí; Felix Martins, em Uruguaiana e por uma fatal coincidência todos estes eram conhecidos pelo nome e um só sobrenome”, destacando entre as senhoras e senhoritas que cultivavam esse instrumento o nome de “D. Cândida de Azambuja, moradora não longe de Taquarí, próximo do lugar denominado Volta do Barreto. 

Quanto à afinação, o certo é que não temos a variedade encontrada nas violas do serra-a-cima paulista, em número de 16 “temperos”. 

(Chamamé de viola)

Não encontramos no Rio Grande do Sul nenhuma referência à superstição existente em São Paulo, entre violeiros ainda hoje, os quais não gostam de emprestar seu instrumento a outro tocador, pois pode ter ele mau olhado e destemperar a viola, sem jamais esta voltar à afinação desejada. 

Nem a crendice do uso no bojo do instrumento, de guizo de cascavel, galho de arruda, casca de guiné, para livrá-lo do quebranto. 

Sem outro maior significado, alguns violeiros atavam junto à parte correspondente às cravelhas, fitas de cores distintas, para maior embelezamento do instrumento. 

Quanto a maneira de empunhar a viola, poderíamos adotar a classificação ditada por Alceu Maynard de Araújo : posição religiosa e profana . A primeira , os tocadores com quem privamos sustentavam com o braço direito o “corpo” da viola, bem junto ao peito (parte superior do violeiro) e com a mão direita dedilhavam as cordas. A mão esquerda segurava o “braço” do instrumento. Não usavam cordões ou penduricalhos para sustentar o instrumento, não só quando estavam de pé, mas também quando tocavam e dançavam. Exemplo : Dança de São Gonçalo, que assistimos no Rincão da Mulada. Na posição profana o músico tocava geralmente sentado com o instrumento algo descansado no colo e com o braço da viola não muito inclinado para cima. 

(A viola e o Terno de Reis no RS)

Em seu livro “Revivendo o Passado”, Archymedes Fortini, referindo-se a uma colaboração recebido de José Maciel Júnior, escreve: “Quando deixou o governo desta antiga Província do Rio Grande do Sul, em 1855, o conselheiro João Lins Vieira Consensão de Senimbu, de regresso para o Rio de Janeiro, seguiu por terra até Santa Catarina, onde foi embarcar, evitando as dificuldades e perigos, então muito freqüentes, na barra do Rio Grande. 
De passagem pela então Vila de Santo Antônio da Patrulha, encontrou ali festiva e condigna recepção, sendo hospedado no Paço Municipal, onde lhe foi oferecido em esplendido baile, considerado o de maior pompa, até aquela época, na então Vila. 

A única música da Vila, e que serviu, consistia em duas violas, habilmente executadas por dois crioulos escravos, de nomes Clemente e Wenceslau, um alfaiate, outro pedreiro, os quais eram destros em pontear nesses tradicionais instrumentos, as músicas de danças modernas ainda em voga. 
O ilustre hóspede , sem quebra da circunspeção de seu caráter aristocrático, correspondeu fidalgamente às modestas homenagens da edilidade e da população, dançando sem dúvida pela primeira e última vez sob os acordes destes primitivos instrumentos populares da terra gaúcha”. 

Também Antônio Stenzel Filho, em sua descrição de “usos e costumes até 1872, em Conceição do Arroio”, nos fala da “carta e sua resposta “ que o mulato Manoel Justino trouxera da guerra do Paraguai e que cantava ao som da viola : 

“Cá por estes pagos 
Amigo teus versos li 
Quero tocar a viola 
Mas a toada perdi 
E de amor meio abombado 
Dessa tenção desisti”. 

Do teu tordilho tu choras 
A triste separação 
Pois estás no Paraguai 
Nesse maldito rincão 
Onde falta o churrasco 
E o mate chimarrão. 


Carlos Von Kozeritz em sua “Gazeta de Porto Alegre”, registrando em 28 de janeiro de 1880 silvas sobre o romance do Conde Alberto, faz as seguintes referências : “Não faltará quem estranhe ver ocupada parte de nossas colunas por uma coleção de quadrinhas populares das que se cantam no interior da província, quando a viola passa de mão em mão”. 
Seguindo alguns registros sobre o assunto, de forma cronológica, mais de uma vez João Cezimbra Jacques, fez alusão a este instrumento em seu “Ensaios sobre os costumes do Rio Grande do Sul, editado em 1883) quando focaliza “antigas danças”, como por exemplo : “acabado isto cantava o tocador da viola : 

O anú é pássaro preto 
Passarinho de verão 
Quando canta a meia noite 
Dá uma dor no coração”. 

Ainda esse escritor observa : “convém contar-se que até a viola não ficou isenta das alterações determinadas pelo progresso; é assim que ela vai pouco a pouco desaparecendo e sendo substituída pela gaita, instrumento este não tão harmonioso como o primeiro, uma que é muito mais fácil para tocar-se. 
Ainda falando da viola : “parece que com ela vão desaparecendo os cantos em desafio, para os quais se prestava esse instrumento”. 
Lúcio Cidade, no Anuário de Graciano Azambuja (1893) focaliza também a substituição da viola pela gaita, que se “não morreu de todo, agoniza”. 


Já em 1905, Alcides Maya, em sua “Ruína Viva”, deixa-nos esta interessante passagem : “Saracoteava-se alí desenfreadamente, ao som de duas violas e de uma cordeona alternadamente. À última acompanhava-o um mulato, a soprar, de bochechas túmidas, uma carona enrolada. Não era o primitivo fandango dos gaúchos, ardente mas ingênuo, na graça pura aos conceitos singelos das tiranas e da chimarrita : legitimo bochincho, baile bragado, dançava quem queria, havia de tudo, quebrava-se com lascívia. Preferiam-se marcas das cidades : valsas, schottisch, havaneiras”. 

Na mais bela lenda do folclore gaúcho – Salamanca do Jarau – que a riqueza da pena de Simões Lopes Neto transportou para as páginas de sua “Lendas do Sul” (1909), lá vamos encontrar Blau Nunes passando por 7 provas ou tentações, sendo que a segunda delas, que uma “velha carquincha” (teiniagua) lhe ofereceu era “tocar viola e cantar ... amarrando nas cordas dela o coração das mulheres que te escutarem”... 

Cezimbra Jacques em 1912 volta com outra obra, “Assuntos do Rio Grande do Sul – na qual focalizando a viola nos diz: “O motivo do abandono da viola na nossa campanha uns atribuem à invasão de outros instrumentos dentro dela e outros à péssima qualidade das cordas de arame próprias para encordoar esse instrumento, as quais apareciam ultimamente no comércio, sendo tão fracas que não resistiam a uma afinação sem se romperem. 

Porém hoje, apareceram as resistentes e sonoras cordas “verde-gaz” que, sendo próprias para guitarra, prestam-se também para “viola”, parecendo não haver mais motivo para que os nossos dignos compatriotas, habitantes das campinas, desprezem esse instrumento, que não só presta para ser tangido pelas unhas do polegar e, arrancando-lhe , dele, assim sons melodiosissimos, como cantante; prestando-se também para acompanhamentos, como o violão”. 

A gaita matou a viola 
O fósforo o esqueiro 
A bombacha o cheripa 
E a moda o uso campeiro 

Ainda esta quadrinha do nosso populário parece exemplificar bem a transição instrumental por que passou a querência no fim do século passado aos primeiros anos da atual, e que trouxe profundas modificações nas características da música riograndense. Um outro documento, que julgamos hoje de maior importância é o que nos proporcionou o italiano Saverio Leonetti, aqui estabelecido nos primórdios deste século com a Casa Comercial. A ELECTRICA, localizada , na época a Rua dos Andradas no. 302, em Porto Alegre, e que além de se dedicar ao comércio dos brinquedos e artigos elétricos, criou e desenvolveu a indústria do disco – implantando – pioneiramente, em nosso estado, a fabricação, dos famosos Disco GAÚCHO 

‘Savério Leonetti era também o único fabricante dos afamados gramophones marca “A Electrica” e a casa mantinha o maior sortimento de artigos phonográficos no Estado, segundo publicação da época. 
Pois à Avenida Sergipe no. 9, instalou esse comerciante estrangeiro a sua fábrica e de onde saiam os “discos gravados especialmente para a casa “A ELECTRICA”. Assim ganharam eles coxilhas, canhadas para alegrar os lares das nossas estâncias, os ranchos gaúchos, e festas galponeiras. 
As chapas – como eram chamado os discos antigamente – continham inúmeras composições, tradicionais já na época, instrumentistas da terra, gente que começa a sua vida artística no setor discográfico do Rio Grande. 
E entre centenas de músicas gravadas por dezenas de músicos do Rio Grande do Sul, lá vamos encontrar estes “Cantos gaúchos com acompanhamento de gaita, violão e viola” : 

536 – Trovas Gaúchas 
537 – Boi Barroso 
538 – Reis Camponezes 
53 - Desafio de Trovas 
561 – O Anú 
563 – Lembrança do Morro Negro 
755 – Morena Gaúcha 
718 – Encontro de dois Gaúchos 
719 – Trovas do Boi Barroso 
737 – A Chegada dos 3 Reis 
758 – Trovas dos assobios 
761 – Serenata Camponeza 
738 – A Retirada da Quinca 


Podemos afirmar, que estas composições contém os mais antigos registros de som de viola, na música riograndense. 

ESCLARECIMENTO : 

Os mais destacados tipos de violas portuguesas : 
Viola Bragueza (de Braga) – algo menor que a guitarra espanhola comum. Tem seis cordas duplas, dez trastes. Boca ovaladas. 
Viola Madeirense Cintura mui pronunciada. Seis cordas duplas, treze trastes. 
Viola Michelense – Forma e tamanho da guitarra espanhola comum. Seis cordas duplas. 
Viola Açoriana – instrumento semelhante ao violão (viola francesa) mas que tem somente cinco ordens de cordas (mi, si, sol, ré e lá); as primas ou primeiras (mi) e as segundas (si) dobradas; as terceiras ou toeiras (sol), compõem-se de um bordão e de uma corda de arame, oitava deste. Os restantes bordões ré e (lá) são acompanhados de mais duas cordas também oitavas. Antigamente as terceiras, ou toeiras, e uma de cada bordão de arame amarelo. 

Sabendo os efeitos maravilhosos que ocasiona a música entre os índios, os padres dedicaram-se especial atenção a essiná-la aos silvícolas. “Desta maneira se formou, em cada povo, uma capela de quarenta músicos, com todos os instrumentos os mais sonoros conhecidos na mesma Europa, como harpa, cornetas, órgão , violas, citaras, alaúdes, rabecão, fagote, etc., cujos instrumentos não só tocam aqueles índios, como também os nativos. 

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Se eu tivesse a oportunidade de realizar o desejo de ter uma vida perfeita, a tentação seria grande mas eu teria de recusar, porque a vida não me ensinaria mais coisa alguma.”
Allyson Jones

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