Por DIEGO MÜLLER

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Queimar o Manual...

 





"Eu propus pro Barbosa (Lessa) e ele aceitou. De queimarmos o manual de danças gaúchas, e ele me disse: pode queimar Paixão... e era uma simples proposta de ensinamento e direção coreográfica para as nossas danças esquecidas, num tempo em que nós suamos sangue em prol desta reconstituição, mas valeu pelo resultado, estas danças não são danças gaúchas e sim gauchescas. São danças do Rio Grande antigo defrontando o tempo de agora!"
(Paixão Côrtes)




Cultura é o que fica depois de se esquecer tudo o que foi aprendido, e isso é real. Por isso dedico esse post aos amigos que, se não demonstram, ao menos entendem bem o que seria um ser de campo, de paisagens planas e longínquas em propensa demonstração teatral-bailarina, uma pessoa de calmarias, de campos e banhadais, de galpão e mangueira, com gestos simples e demonstrativos... nada haver com "palhacescos xirus", (não só em exagero como em falta de expressão), como disse Noel Guarany e João Sampaio em um de seus versos dotados de criolismo e verdade antiga. Mas a vida é assim, onde os homens distinguem-se entre si por onde alguns primeiro pensam, depois falam e, em seguida, agem. E outros, ao contrário, primeiro falam, depois agem e, por fim, pensam! Espero poder levar isso adiante, sempre isso, independente de visões gerais e combinações circunstanciais tantas. Levarei esse esteriótipo moldado em séculos de aço e sangue, em uma epopéia barbará ("epopeya para ser cantada con liras de hierro por voces de bronce") cada vez necessário e desaparecido de nossos palcos e de nossos ambientes que deveriam cultivar o gauchismo simples e com cheiro de terra! "Ah, o campo... ...o folclóre!... ...o campo e o seu ser! O que é preciso para essa raiz renascer!?"



"Um anda em cavalo manso... Outro em potro redomão...
Um traz o fogo pegado em folha seca e carvão...
Outro é tronco de aroeira, graveto grosso e molhado...
Um é fogo de lareira... Outro é fogo de galpão!!!"

(Balbino Marques da Rocha)
Abraços a todos!

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"A dança não pode mudar o mundo, mas... talvez... quem sabe..."
(Anônimo)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Perico el bailarín...



 

O famoso sapateador gaúcho

Quando em 1949, regressávamos de Montevidéu, onde integrando uma delegação do “35 Centro de Tradições Gaúchas” representamos o gaúcho brasileiro por primeira vez nas comemorações do dia “de la tradición” e onde as bandeiras da Argentina, Uruguai e do Brasil tremularam unidas, conduzidas por gaúchos em pingos de lei garantiram o destaque com que o mundo oficial, governamental do país amigo, emprestava aqueles atos.

Sentimos a grandiosidade deles no sentido patriótico popular e a seriedade com que os nativistas das entidades tradicionais os encaravam.

Por entre as “tropeadas” dos desfiles, passamos pelos notáveis monumentos da “Carreta” e “Nuevo Rumbro”, “mateamos” onde Artigas cevava “su cimarron”. Participamos de “entreveros” poéticos; ouvimos o som da guitarra, o “contrapunto” dos payadores; revivemos gineteadas e tiros de bolas.

Foi depois de uma peña de bailes típicos, em que se destacou a graça de uma “criolla” numa “zamba” e o sapateado vibrante de um “campesino” num “Malambo”, que ouvimos falar por primeira vez em “Perico – el bailarin”.

Nesse rodeio de cultura e arte, o orador dizia dos hábitos e costumes comuns na formação do tipo gaúcho do Uruguai e do Brasil. Entre figuras e fatos, citou o nome do brasileiro Pedro José Vieira, hoje integrado nas páginas históricas dos primórdios da Independência Uruguaya..

Sinceramente, fomos tomados de surpresa e não tivemos coragem, distante da pátria e naquela situação, de confessar nosso desconhecimento ou fazer alguma pergunta a respeito desse patrício.

 

Estávamos nessa época, recém iniciando nossos trabalhos de pesquisas folclóricas com Barbosa Lessa. Não imaginávamos que, passado algum tempo viéssemos a recolher cerca de motivos coreográficos gauchescos e mais, encontrar a figura de Pedro José Vieira entre os sapateadores rio-grandenses. “Gozava ele de grande popularidade entre os gaúchos uruguaios, devido principalmente a sua destreza e originalidade na execução de sapateados. Nascido em Jaguarão, após a conquista das Missões e o traçado das fronteiras, foi se estabelecer em Soriano, na República Oriental, onde adquiriu o cognome de “Perico, el Bailarin”.

Sua presença nos bailes campeiros, era sempre festejada pois ele constantemente trazia “novidades” inclusive “zapateando de zancos”, isto é, de pernas de pau, segundo informa um documento da época. Graças a sua habilidade de sapateador e a seu espirito franco e folgazão, Pedro José Vieira tornou-se um verdadeiro líder dos campeiros de Soriano. E foi nessas condições, que, em 1811, tendo a seu lado Venâncio Benavides, deu o celebre “Grito de Assêncio”, precursor da liberdade uruguaia. Consciente do papel que representava – batendo pela independência americana – Pedro José Vieira teve o cuidado de declarar, mais tarde, quando as tropas brasileiras, em plena luta da libertação uruguaia, invadiram a Banda Oriental, satisfazendo assim ao desejo imperialista de D. João VI :

“ – Sempre fui e sempre serei rio-grandense. Mas o povo uruguaio luta por uma liberdade que merece, e lutarei a seu lado, mesmo que seja contra os soldados de minha terra” (*).

 E realmente, Pedro José Vieira lutou com denodo em prol da independência uruguaia, da mesma forma que, posteriormente, ao vir se estabelecer em Piratini, no Rio Grande do Sul, lutou com entusiasmo e perseverança, em 1835, em defesa da causa republicana.

Legitimo campeador de nossas fronteiras, amante da liberdade e da terra americana, esse dançarino gaúcho – Perico – el Bailarin – certamente sintetiza, em sua figura legendária, o espírito de fraternidade que mais tarde – passada a borrasca das guerras e revoluções – enviuvaria num mesmo sentimento crioulo os povos irmãos e amigos do Uruguai, da Argentina e do Rio Grande do Sul”. (1).


Antes de finalizar estas breves notas, desejamos sugerir aos Centros de Tradições no nosso Estado, que vêm promovendo realizações a fim de destacar os melhores sapateadores de danças folclóricas, o seguinte : dar o nome de Pedro José Vieira – “Perico, el Bailarin”, ao prêmio “Melhor Sapateador”. A nossa sugestão estende-se à Divisão de Tradição e Folclore, responsável oficial pelos Concursos de Danças Gaúchas, promovidos pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado.

Oxalá, algum departamento de danças de um Centro de Tradições ou como patrono de um conjunto folclórico. Será uma homenagem justa do tradicionalismo à figura de Pedro José Vieira, tão pouco conhecido na história do pago.


 J. C. Paixão Cortes
Correio do Povo de 13 de outubro de 1966. Porto Alegre

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"Os homens distinguem-se pelo que fazem;
as mulheres, pelo que levam os homens a fazer!"
Carlos Drummond de Andrade

 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A dança e o gauchismo...



Seguido abro no face fotos de danças, de grupos se apresentando, com momentos "mágicos" captados por fotógrafos profissionais. Porém muita coisa me chama atenção e me faz contestar muito sobre os rumos de nossas danças... não falo nada em sentidos de indumentárias, tipologia de "estilos", danças em si, etc... falo em personalidade e rumos "gauchamente" falando! Porque? Porque quase em todas essas fotos os peões estão se "arreganhando" rindo e sorrindo... mas pensa em "sorrindo"!

Onde quero chegar e me perguntar, no fim?

Imagino, nessa conclusão observatória, de que, de certo, era uma "maravilha" viver no tempo em que as danças (essas) existiam! Todos vivem e dançam alegres, com toda felicidade do mundo estampada na cara!

Nossas danças se iniciaram no RS a partir de 1617, quando os primeiros açorianos pisaram em nossa terra sulina (para ocupar um território missioneiro, de onde seriam tirados os índios e entregue a eles). Aí se iniciou nossa sociedade, nossos "bailes" e um motivo pra se dançar com "prendas". Porém as "maravilhas" sulinas não eram maravilhas. Os açorianos se restringiram ao litoral gaúcho (e catarinense), tendo por outro lado um forte avanço espanhol... e no meio guaranys e changueadores. Onde estava essa felicidade estampada no olhar do nosso homem do sul?

A posterior vieram os alemães, não recebendo terras e as promessas que se destinaram a eles. Se ocuparam de beiras de rios e encostas de morros, tendo que abrir picadas, derrubar matarias e criar suas colonias e plantações. Sem contar, bem depois, as vindas dos fugitivos das duas grandes guerras, onde as danças (de quarta gerações) já estavam se diminuindo... dando espaço para as danças enlaçadas, ditas de salão.

Com os Italianos o mesmo... tendo de abrir espaço já no mais alo dos morros, plantando suas colonias com garra em lugares nunca antes pensado em ser desbravado e colonizado... plantando e colhendo... e, por muito, também fugitivos dos confrontos europeus sempre ativos por lá!

Nossas danças e nossa cultura GAÚCHA (entende-se gaúcho no sentido original da palavra, e não como residentes e oriundos de determinado estado) é extremamente e unicamente rural... onde o trabalho não é para qualquer um e onde se identifica uma tipologia única, bem formada e montada pelo ligar onde vivem, com ligações fortes com a terra, a rudeza, a aspereza, a brutalidade, a falta de medo, e etc. Pessoas com calos nas mãos, com contato diário com rédeas, esporas, tentos, bocais, buçais, guitarras, fogo de chão, pais-de-fogos, picumãs... geralmente pessoas com olhar sisudo e quieto, gritando quando necessário, sabendo onde pisa e com quem anda, não se achicando para qualquer um, sempre peleador e de convicção no que lhe agrada... e porque não citar dos vícios, do "baio" (palheiro), da canha, de guitarras e cordeonas, e de bolichos e pulperias.



Alegria? Pode ser que sim... mas esse sorriso das fotos? Acho que nunca!

E quem disse que dança gaúcha é por consequência GERAL uma conquista entre homem e mulher? Porque ela não pode ser tratada como CULTO (como muito se fala na Argentina e no Uruguai)? Porque não cultuar nossas danças, em vez de tentar viver em um mundo de conto de fadas que nunca existiu, criando um personagem que nunca frequentou nossos planos e nossas serras?

(Hoje em dia daria risada de alguma conquista amorosa, se ela fosse tentada com um olhar e um "sorriso" desses! Imagina dentro de um ambiente rural e antigo!)

Não conseguimos acreditar em um meio (ou "movimento", independente do título) que crê que a cara deva mostrar o que ele estaria sentindo ao invés de sentir, por sim. Num meio onde "teatro" é mais importante que o gaúcho em si. Que se diz que tipo de rosto, cara, sentimento se deva ter em cada momento, ao invés de realmente se dançar com alma, sentir e transparecer isso a todos!

Em resumo: creio (como conversado no rodeio da Criúva com um amigo antigo, o Marcio Oliveira) de que há muito "peão de boate" em nossas danças, ao invés de se criar, se investor e de tornar nossos dançarinos mais do que isso... falta criarmos GAÚCHOS! Muitos não conseguem parar para olhar os grupos atuais nos palcos por não terem nada mais do que harmonia a acrescentar (nada mais do que qualquer grupo fora do tradicionalismo não tenha). Falta ensinarmos a eles quem fomos, como se trabalhava no campo, como é um gaúcho, como se fala no campo, de onde viemos e de como devemos ser! Falta personalidade sulina e gente gaúcha em nossas danças. Muito mais do que dança é o que temos que ter necessidade. Muito mais do que passos é o que nos acrescenta. harmonia e passos estudamos, olhamos,ensaiamos e temos! E o resto? E o que nos falta?

De certo... só pode ter sido maravilhosa a vida no sul entre 1600 e 1950, tendo nesse meio invasões, guerras, revoluções farroupilhas, revoluções civis, duas guerras mundiais, terras a ser desbravadas, ranchos de torrão, postos, estâncias gigantescas, sesmarias, tropeadas, tropeiros, mulas, cargueiros, e tanto mais!



Falta olhar gaúcho nos nossos jovens!

Falta ser do sul!
Falta culto!

Ainda bem que os meus me ensinaram diferente!

Abraços, Diego Muller


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"La vida és uma milonga... y hay que saberla bailar!"