Por DIEGO MÜLLER

sábado, 2 de abril de 2011

Jorge Guedes...


...Das Missões!!!


Jorge Guedes, hijo das Missões e das dores dos povos, nascido em São Luiz Gonzaga, terra de Sepé Tiarayu, manancial de cultura missioneira, filho de Dona Idelina Ferreira Guedes (una índia cruda) e de Chico Guedes (músico e gaiteiro). Irmão de músicos, filho de músicos, tio de músicos, pai de músicos (possui quatro filhos: Anahy, Caray e Andressito, e Adriano – San Pedro de la Cordeona – sobrinho que cria como filho desde os 4 anos). E mais que um músico, Guedes é um homem “ de fora” preocupado com as mensagens e necessidades de seu canto, junto com as proporções certas de onde o canto pode chegar, assim como à importância que ele deve – e pode – deixar às pessoas que o escutam. Guedes é versátil: além de cantor, guitarreiro e professor de violão, como poucos, é gaiteiro nas horas de farra, produtor musical e arranjador, compositor único e simples, evidenciando as mensagens das letras, além de letrista uma que outra vez (principalmente em parceria com João Sampaio). 

(na Bolívia - onde morreu Che Guevara)

Cantou no conjunto de baile Os Carranchos, por 8 anos, da cidade de Canoas, onde morou por muito tempo, e onde nasceu sua filha mais velha Anahy Guedes, deixando, inclusive, heranças culturais nessa cidade, com o surgimento de novos valores identificados também com a importância de cantar o povo, como: Luiz Pires, Cajarana (in memórian), Mauro Augusto, Diego Müller, Grupo Missões, Vaine Darde, etc. 

(CD "de boina e alpargata")

Ao retornar às missões (baseado, talvez, nas tantas antigas e saudosas guitarreadas no Rodeio Internacional de Vacaria, num galpão construído para os Missioneiros e seus visitantes) ergue ao lado de sua casa um galpão, intitulado Galpão-ameríndio-guarany-missioneiro (galpão dos iluminados), um marco da terra vermelha, digno de entrar na Rota das Missões, tanto pelo valor histórico como pelo valor cultural. Ali se encontra (sem pretensões alguma de museu) objetos de Noel Guarany, Jayme Caetano Braun, Cenair Maicá, Reduzino Malaquias, assim como regalos de Ramon Ayala, Telmo de Lima Freitas, Chaloy Jará, João Maximo, Reinaldo Malaquias, Zé Dutra, Luiz Carlos Borges, Gicela Mendes Ribeiro, João Sampaio, Yamandú Costa, Algacir Costa, etc e etc. É tanta cultura que não tem valor. Galpão este, de construção simples, preparada para receber amigos e pensadores da arte, em toda a amplidão da palavra, que é a extensão da casa dos Guedes, onde todos se reúnem, onde todos cantam, tocam, estudam música, compõe, ou seja: fonte de inspiração inesgotável. Freqüentadores do galpão dos iluminados relatam que a energia emanada ali só se iguala a energia sentida ao entrar nas ruínas da catedral missioneira de São Miguel. 

(Jorge Guedes e Lucio Yanel - Programa Fogo de chão/PR)

Do tempo em que participou dos festivais, Jorge Guedes deixou sua marca bem definida, com gravações antológicas em diversos festivais, onde se sente a garra emanada pela voz forte e firme, como poucos. Entre essas obras, podemos citar: Ringindo os bastos (Justino Lopez/Jorge Guedes), campeã da I Aldeia da canção nativa de Gravataí, tendo ao palco Lucio Yanel e Gilberto Monteiro, no ano de 1996. Assim como Pra entender quem canta assim (João Sampaio/Jorge Guedes), do XIV festival de Santiago, com o maravilhoso time, unindo Lucio Yanel, Marcello Caminha e Diego Caminha no palco. Ou Pra pastorejar a pátria (João Sampaio/Jorge Guedes), cantando ao som de Lucio Yanel e Yamandu Costa. Já na Califórnia, cantou Romance da potra-estrela (Lauro Correa Simões/Luis Cardoso) e a maravilhosa obra (nunca gravada em seus trabalhos), Gaúcho (Jayme Caetano Braun/Talo Pereira), campeã da linha campeira do mesmo evento, em 95, na XXIV Califórnia, com Lucio Yanel e Gilberto Monteiro ao palco. 

(Jorge Guedes - Entrado no M´bororé)

Após a morte de César Passarinho (mestre e amigo) Jorge Guedes se desiludiu com os festivais, inclusive com o formato de concursos, para onde não pretende nunca mais retornar, sendo favorável com as mostras de artes, desprovidas de amadorismos, pressas nas composições, importâncias com o dinheiro (mais do que com a arte) e com as inimizades constantes nos festivais nativistas, geradas pelas disputas maciças. 

(Guitarreando em seu rancho)

Em 2004, numa das tantas charlas no galpão do Guedes, entre ele, Luiz Carlos Borges e Yamandu Costa, num dos retornos do Festival da Barranca, os três (num sopro silencioso de algum ancestral cacique, guarany ribeirinho) tiveram a luz de resolvem idealizar e organizar o Encontro de Chamameceros, evento único no Brasil, unindo os maiores nomes da cultura missioneira, indígena e chamamecera do mundo, em São Luiz Gonzaga, por onde (hoje, na IV edição) passaram e passam nomes como Rudi y Nini Flores, Alejandro Brites, Raulito Barboza, Teresa Parodi, Los ermanos paraguayos, Ramon Ayala, Oscar dos Reis, Sérgio Reis, e muito mais, alguns tocando pela primeira vez no Rio Grande do Sul e no Brasil. Não é por nada que já é considerado o segundo maior evento do estilo no mundo, perdendo só para o evento chamamecero de Corrientes, terra do chamamé. Os organizadores, infelizmente, lamentam apenas o pouco interesse dos músicos, cantores e instrumentistas chamameceros gaúchos (do RS) em participar do evento, numa integração latino-americana da nossa cultura aborígine, geralmente substituindo o convite por participações momentâneas em festivais competitivos nativistas. 

(Floreando uma Botoneira, com Anahy Guedes ao costado)

Apesar de não aparecer frequentemente em programas de TV, shows em festivais, reportagens em jornais nativistas, etc., Jorge Guedes e sua família vivem praticamente na estrada, realizando shows por todo o Brasil (como em PR e MS, onde vão seguido e sempre, ou em SP e RJ, onde cada vez mais estão sendo requisitados para eventos). Seu itinerário de apresentações se alonga também, e cada vez mais, ao Paraguay e na Argentina, onde possui amigos fiéis e público fixo, e agora, com a ida à Bolívia, seus shows estão sendo de grande pedida nos paises diversos da nossa América do sul, principalmente dos paises de presidência socialista, veia da qual Guedes não foge e a assume abertamente, tanto em seu canto como em seu modo de vida particular e saudável. 

(Jorge Guedes e Grupo Missões - Programa Fogo de chão/PR)

40 anos depois da morte de Che Guevara, na Bolívia, grupos de cantores, poetas, músicos, artistas, chefes de estado, pesquisadores, e simples admiradores diversos, se reuniram no mesmo local onde o mesmo foi executado, para evocar a alma desse ícone (se é que Che possui alma pairando nos ares, já que seus pensamentos ideológicos eram ateus, resumindo o futuro dos povos não ás crenças, mas sim ao trabalho e ao combate da exploração, tantas vezes evidenciada por ele mesmo em suas viagens despretensiosas pela América, tanto de bicicleta, quanto de moto e a pé). Esta viagem única se contemplou com uma apresentação de artistas de todas as partes da América-latina, inclusive da Europa, em um estádio de futebol extremamente lotado, com bandeiras de diversos paises e com a foto antológica do Che, feita por Alberto Korda em 1960, tremulando por todos os lados. 

(Com a família na Bolívia)

Dos dois únicos representantes (de todo o Brasil) enviados a este evento, Jorge Guedes, com seus maravilhosos-jovens-filhos-músicos, com toda sua garra na voz, marca maior das ganas missioneiras (também evidentes na lembrança do canto de Noel Guarany, nas músicas de Pedro Ortaça, Cenair Maica, e idem nas payadas do poeta e payador Jayme Caetano Braun), levantou o público ao interpretar “Por que será, Che Guevara?”, composição do próprio Guedes com o poeta, pesquisador e estudioso das culturas americanas e aborígenes José João Sampaio da Silva, o único dos grandes parceiros de Noel Guarany (junto com Jayme Caetano Braun e Aureliano de Figueiredo Pinto) a conviver dia-a-dia com o mestre maior da cultura missioneira, até seus últimos dias de vida terrena. 

(Família Guedes - Irmãos)

Inclusive, no mesmo final de semana deste evento na Bolívia, ocorreu o evento na Bossoroca/RS da morte de Noel Guarany, onde o cantor Jorge Guedes deixou de participar este ano, justamente porque cantar para CHE GUEVARA era um dos sonhos de NOEL GUARANY, não realizado. 

(Galpão Ameríndio-guarany-missioneiro / São Luiz Gonzaga)

De regalo, ao poeta João Sampaio, Caray Guedes, filho do meio do Jorge, trouxe um punhado de terra boliviana, do local onde Che foi friamente fuzilado (lembrando que em 2005, João Sampaio lançou o original trabalho literário Itinerário & Sinopse poética del comandante Che Guevara, livro do qual Fidel Castro possui um exemplar autografado pelo autor, juntamente com o CD Para alguns iluminados, produzido por Jorge Guedes em 1998. 

(Jorge Guedes e Caray Guedes, no Encontro internacional de chamameceros)

Seu show, hoje, é puramente de temas latino-americanos, principalmente chamameceros, com sucessos antigos de seus CDs, e com um time de músicos também dentro da integração latino-americana. Entre seu grupo de músicos estão, além de seus três filhos, Anahy (violão e voz), Caray (violão 7 cordas e voz) e San Pedro de la Cordeona (gaita cromática e gaita botoneira): Zé Dutra (violão sete cordas e bandoneón), missioneiro criado na Argentina, neto de Reduzino Malaquias. Morales (violão), uruguaio, cantor e compositor. Raul Garnica (violão, quena, zamponia e bombo legueiro), argentino de Santiago del Estero, morando atualmente em Foz do Iguaçu, no PR. Tiago Rossato (gaita botoneira), jovem gaiteiro paranaense, proprietário e técnico de estúdio de gravações, sendo várias vezes campeão nacional de gaita, junto com premiações no Rodeio de Vacaria, na mesma categoria. Carlos Acuña (violão e charango), argentino, músico, arranjador e compositor, fundador do grupo Los Acuña, se apresentando inclusive para o presidente dos EUA e para a Rainha da Inglaterra. Às vezes seus shows também recebem as payadas de João Sampaio (Itaqui), Nélio Lopes (São Luiz Gonzaga) e (ou) Julio Fontela (Santo Antônio das Missões). 

(no Jô Soares - Parte I)

Seus filhos, cada vez mais preparados para os palcos da vida, são maravilhosos músicos, precoces e talentosíssimos, além de arranjadores vocais e instrumentais, ganhando aplausos dos mais seletos públicos do Brasil, como numa apresentação de Caray Guedes com Yamandu Costa no Teatro do RJ com a Orquestra sinfônica municipal (inclusive divulgada no site You Tube), numa apresentação digna de um teatro, realmente, tocando, em duo, o tema Chamamé de Yamandu Costa. Caray Guedes, Anahy Guedes e Adriano Guedes também receberam a premiação de músicos mais populares do Festival nacional de música de Ribeirão Preto, em SP, neste ano, com um tema instrumental próprio deles. Mas a safra de músicos não para por ai: Andressito Guedes, de 10 anos, já está cantando e tocando acordeón, arriscando alguns chamamés (como não poderia ser?) e alguns temas de Noel Guarany, para suas raras apresentações em público, por enquanto. 

(no Jô Soares - Parte II)

Jorge Guedes hoje possui 5 CDs editados: Terra Missioneira (1989), Paisagens de fim de tarde (1994), Por que será Che Guevara? (1997), De boina e alpargata (2000) e Das Missões às cordilheiras (2004), além de participar dos Cds de João Fontoura (Cabo João) e João Sampaio, como cantor, compositor e produtor. Atualmente está com 3 projetos em preparo. Alguns em fase de captação de recursos, outros em fase de composições. Os principais deles são, um de temas afros (De taba e senzala), evidenciando o preconceito com o negro na América-latina (parecido com o preconceito ao índio) e outro de temas chamameceros, trazendo a tona temas inéditos de pesquisas aborígenes, ribeirinhas e de chamamés, com paisagens De selva e de rio. 


Para encerrar, temos a certeza que a cultura missioneira, quase que unicamente (com alguns outros focos apenas pelo estado) age com o verdadeiro motivo da arte, desprovida totalmente de concursos e de competições, onde em vez de ser arte apenas por ser, tem o dever de levar alguma mensagem ao publico “consumidor” e apreciador. A arte fonográfica deve fazer sua função social de ser um motivo à intelectualidade , cultura e inteligência, somando valores sociais e culturais nas pessoas. Temos a certeza de que Jorge Guedes cumpre com seu papel e, de pai para filho, tem passado esse legado a diante. Nossa cultura não pode morrer não, mas acima de tudo, os valores humanos devem de ser valorizados e revistos num mundo capitalista e desumano em que vivemos, cada vez mais desigual. 

(Com Diego Müller, nas Ruínas de São Miguel - Gravação do programa sobre Noel Guarany)

Jorge Guedes, o cantor dos povos, é digno de levantar as bandeiras sociais, culturais e rurais em seu canto, e como todo grande cacique, atrás dele (de tiro) estão e estarão vindo milhares de seguidores que entenderam a verdadeira função da música missioneira, gaúcha e latino-americana. 

(Tropeiro - de Noel Guarany e Jayme Caetano Braun)

Nunca eu hei de vender-me! Sozinho eu hei de dar-me, como o rio que vaga lá do alto da montanha...!” 
(Ramon Ayala / Versão: João Sampaio e Jorge Guedes) 


Que academia baguala, barbaresca e secular, regada com sangue e suor planta-se pátria pra dar: Nativismo é recompensa, folclore pra replantar!” 
(Noel Guarany) 

(Musicanto de Santa Rosa)

Gracias Guedes! 
Siga sempre, adelante, sin perder la ternura, jamás!

(Sentado sobre um arreio)


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