Por DIEGO MÜLLER

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Cantos de taba e senzala...

...em homenagem ao livro de João Sampaio!


...Ecos que permanecem na voz dos ventos seculares, para que as gerações ouçam os lamentos e os gritos guerreiros – em dueto – de duas raças que pagaram as dívidas tiranas e injustas da construção do velho Rio Grande, do verdadeiro Brasil e das culturas de uma América nossa!


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1695 – Furtado de Mendonça, vendo Zumbi morto, agradece pela “glória” alcançada... Mesma época em que, longe dali, o Padre Sepp entra na América por Buenos Aires, sem saber que seria um dos maiores nomes da história “missionista”, e muito menos, sem saber que toda sua luta para catequização dos índios seria transformada em massacre ante a Guerra Guaranítica.

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...Hoje, há mais de trezentos anos do inicio destas duas paralelas lutas raciais, em nosso movimento de festivais nativistas, com a predominância-musical da temática campeira e fronteiriça, poucos se dão conta da importância de datas como esta na influência aos nossos dia-a-dias... Muitas vezes presenciei, inclusive, preconceitos para com temas do NOSSO folk (folclore gaúcho), como a Quicumbís e Congadas (mal intituladas de “batuques”), ou com Canções índias e Chamamés (denominadas “invencionices” e “estrangeirismos”), o que demonstra que as injustiças e ignorâncias são atemporais e totalmente independentes da facilidade de comunicação e globalização dos nossos dias.


...Quantos nem imaginam que aquela mangueira de pedras mouras, ultrapassando os tempos, seja um modelo de construção escrava-afro, assim como as “taipas” serranas que nortearam o rumo dos tropeiros birivas, embalando o nascedouro do progresso do Rio Grande; Ou que a técnica de paredes barreadas, sobre taquaras trançadas, venha das quentes e desertas savanas africanas; Do mesmo modo que Milonga vem do Quimbundo, Mango da origem Quicongo, Bombacha do Suaíle e Churrasco da língua Banta.
...Quantos não percebem que o caráter místico do fogo-de-chão e do mate amargo, e da unidade masculina do churrasco e do galpão, venham de uma influencia puramente indígena; Assim como a resistência à dor física e a pouca importância quanto ao futuro (características predominantes no gaúcho “gaudério”, transformado, posteriormente, em changueador e peão de estância); Bem como muitas palavras e nomes de localidades descendem da linguagem guaranimê (do abecedário guarany); Ou a palavra Gaúcho, que se divide entre as origens Pampa (Caucho) e Quíchua (Caucho-k).

Para provar e mostrar tudo isso aos que não querem enxergar, ou aos olhos despercebidos, é que surge em nossas mãos este marco intitulado CANTOS DE TABA E SENZALA!

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JOÃO SAMPAIO nos abriu suas gavetas e trouxe à tona seus anseios libertários (medio criollo y medio avá), onde sua pena ganha voz em cânticos índios de tabas antiguas, bajo ao verde da selva missioneira... Juntamente com o som repicado dos tambores afros, abafados pelas paredes largas de pedras, das escuras e úmidas senzalas das charqueadas gaúchas. E fico feliz por ser um dos parceiros de João Sampaio (meu “ermão” e mestre de quase dez anos de poesia) convidado para escrever, pesquisar e participar junto deste projeto de suma importância entre nossa consciência, nossa literatura e a nossa cultura, tão mestiça e verdadeira. Projeto este que não acaba aqui, e que em breve se tornará um CD em parceria com nosso cacique maior da musicalidade atual missioneira e social, Jorge Guedes, com repertório já em fase de preparo e produção.

Mas, talvez, esta sua ânsia venha despercebidamente renascida do tempo (em cima do barro das histórias da antiga Estância Missioneira de La Cruz), onde trinta e um anos antes da Lei Áurea, o sesmeiro itaquiense Antônio Alves Gavião (avô de outro grande poeta nosso: Ciro Gavião) registrou as primeiras marcas em nome de seus escravos, para que esses pudessem marcar seus próprios animais e, os vendendo, comprassem suas cartas de alforria, ganhando a liberdade. Esses escravos, então alforriados (e já aclimatados ao nosso ambiente sulino de frio e de constantes geadas), foram se tornando, aos poucos, bons cavaleiros e ótimos domadores, impulsionando as estâncias gaúchas como leais peões de estância e capatazes de confiança do patrão, serviços estes a que o índio já estava habituado, desde os tempos das estâncias jesuítas e seus imensos puestos.


...E foi assim que (batendo-estribo) duas raças foram fazendo pátria e bandeira, empurrando o Rio Grande adelante, espalhando suas fortes culturas e cantos (en dúo) ao nosso cotidiano capitalista, desrespeitador e de memória curta – sem mencionar ainda as tropas negras da Revolução Farroupilha e da Guerra do Paraguay, ou a dramática e estarrecedora história dos índios norte-americanos (Dakota, Sioux, Ute, Cheyenne, entre outros), no extermínio dos “peles-vermelhas”.

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(Senzala)

Negamos hoje que sofremos influencias culturais de outras raças, e que fomos (e somos) sustentados por mãos hoje excluídas. O “homem-branco”, assim, tem uma irresgatável divida, não só para com o índio, mas também com o negro, onde este se tornou escravo, agora, do racismo e do preconceito, e onde o índio ainda briga com o sistema por um mínimo pedaço de terra que foi um dia dele, e só dele...

...João Sampaio tenta pagar estas dívidas!

E é assim que finalizo, com indagações no ar, onde perguntamos a nós mesmos quem realmente é a raça em decadência?...

...Quem, na verdade, são os selvagens???

DIEGO MÜLLER 
Canoas: Chácara Barreto, outono de 2008.


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"jamais rastejarei... meu mundo é o universo."
Ludwig van Beethoven

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