Por DIEGO MÜLLER

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Queromana Mariquita...

 



Interpretação: Raineri Sporh - ao vivo

https://www.youtube.com/watch?v=gKFfLSJq2ms

Ritmo: Milonga
Letra: Diego Müller, Eron Carvalho e Leonardo Borges
Música: Filipe Corso e Rafael Ferreira
Interpretação: Raineri Sporh - ao vivo


Queromana – Mariquita – te traigo junto do peito,
Com lembranças de tuas "rédia”... que me deixaram sujeito!...
– Feito um “romance” antigo: daqueles que a gente conta,
E quedam presos no tempo... que inté o tempo perde à conta!

Atei o bocal no queixo do meu pingo, Zaino – estrela –
Pra “curá o trote” na estrada, tendo a desculpa de vê-la!...
Mas teu ranchito enfeitado, na beira do corredor,
Mostrou, nas portas fechadas, um semblante em desamor!...

Mariquita – pequenita – porquê estás fazendo assim?...
– Às vezes olha em meus olhos... noutras desvias de mim!...
Qualquer dia esbarro o zaino junto aos teus sonhos de prenda...
...E conto a minha intenção, querendo que me compreenda!

Queromana – Mariquita – sonhei contigo, é verdade:
Queria vencer as distâncias no corredor da saudade!...
Quem dera ser o teu par nalgum baile de “enramada”,
E num verso recitado... te convidar: – Namorada!

Sonho um dia – este tempo! – unindo nossos destinos...
E com um templo de leivas deixar de ser um teatino!...
Até imagino – faceiro – tu com um mate na mão,
Esperando que eu desencilhe bem no portal do galpão!

Mariquita – pequenita – esperando por teu sim,
Mandei bordar num lençinho um raminho de alecrim!...
...Pra te dar – como em regalo – selando o meu sentimento,
Depois que meu coração tu colgar junto a teus tentos!!!


Interpretação: Filipe Corso

https://www.youtube.com/watch?v=kOvp4Um6ArM

Há mais de quatro anos atrás, em Lages/SC, na Sapecada da canção nativa, tivemos um tema regionalizado concorrendo do qual falava e homenageava lugares que me criei ouvindo falar, assim como pessoas que me ensinaram e cultivaram em mim muito mais do que imaginava (Do Passo ao Rincão da Raia – uma baita melodia do mestre Érlon Péricles, com grandes amigos em palco: http://www.youtube.com/watch?v=Bz3zoqoC6TU ). O tema realmente era regionalizado ao máximo, pois era a intenção proposta. O ritmo, inclusive, foi batizado com resquícios do nosso folclóre já inexistentes a nossos olhos atentos ao que acontece nos festivais e no mercado fonográfico: Queromana tropeira – Carumana tropeira. O próprio tema comentava sobre elementos folclóricos recolhidos do nosso meio campeiro e antigo. Recordo até que o ritmo e os elementos citados no tema causaram um tanto de estranheza a alguns amigos, o que também era esperado, pois a intenção era de resgate e de transmissão da mesma para com o público, onde não havia, ao tema composto, uma preocupação mais do que a normal de concorrer em eventos e de transmitir esses valores. Após a estranheza, creio que a atenção e os novos rumos que esses elementos propuseram foram bem mais evidenciados e aceitos pelo público e pelos cultos da nossa musicalidade. Bom, cito isso, pois após o tema ir a palco fui entrevistado pela emissora transmissora local, da qual a apresentadora era ex-bailarina do grupo do Barbicacho colorado (referencia da nossa dança), da qual sabe e sabia da minha trajetória nos palcos de danças e, pela sapecada, de alguns temas musicais concorrentes por aí.

Uma das perguntas então foi de como integro artisticamente o meio musical e o de danças e como vejo essa integração hoje em dia. Não me recordo bem das palavras, porém a pergunta, apesar de óbvia, me deixou um tanto sem saber me expressar. Respondi algo como que, apesar de entender os palcos e entrar em cada um de acordo com o que cada um proporciona (aceitando regulamentos e estilos do próprio evento) e sabendo trabalhar bem o lado livre-artístico e criativo, o que mais me chama a atenção e me arrepia artisticamente é o trabalho intitulado de raiz, com simplicidade e singeleza, um tanto espontâneo e ingênuo, sem intenções maiores do que apenas mostrar nosso lugar. Citei isso de modo geral, tanto do lado das danças como do lado musical, onde as vezes o requinte exagerado e uma técnica estrema de exibicionismos (ou apenas para mostrar diferenças) destruam com valores antigos e folclóricos necessários para nossa cultura, ainda.

Após essa entrevista, me parei mais atento ao que haviam me questionado, já que, até então, nunca misturei muito (e nem queria misturar) meu lado artístico musical com o dançarino. Porém, me perguntei: porque não? De repente esse era meu lugar na musicalidade local, no ambiente dos palcos festivaleiros e dos bastidores musicais e fonográficos. Pode ser! Mas como? Como integrar duas coisas totalmente opostas hoje: dança – apesar de muito antiga, extremamente regrada, institucionalizada e caricaturada. Música – extremamente livre, e mesmo assim muito ligada ao nosso povo simples, sem caricaturas. Dois polos diferentes. Musical, quase sempre opostas ao modo como as danças trabalham a cultura. E dança, sempre enxergando o meio musical com olhos de fãs e de distanciamento, um tanto como base (copiadora). A partir daí parei para raciocinar e aos poucos começaram a surgir mais temas como aquele da Sapecada, comentando regionalidades peculiares tão rurais e antigas (e verdadeiras) quanto inexistentes ao nosso meio musical. Coisas que eram corriqueiras para mim e para todos os da dança, mas que o meio musical não conhecia ou tratava como caricatura do nosso povo, muito por não conhecer mesmo. Ai estava meu rumo ou meu novo rumo musical, de agregar ao meio. Me recordo que a partir daí vieram temas tratando sobre Fichus rendados e broches de marcassita (escrito numa viagem ao rodeio de Flores da Cunha), vestidos de chita (muito apreciado e requisitados pelos meus alunos), leques floreados (para dias de carreiradas), etc. Depois vieram temas sobre Chula (baita tema, ainda inédito, citando os Serafins, os Paim, os Arruda e tantos outros serranos antigos da nossa história), Queromanas, Queromaninhas, Tiranas, Tiranas do lenço, Chimarritas, Chamarritas, Carumanas, Chamarosas, Chimarosas, Mariquitas (todas já no papel e musicadas), outras muitas estão no forno: Tatus, Anús, Graxains, Balaios, Sarnas, Balões caído, Pinheirinhos, São Gonçalos, Cana-verdes, caranguejos, etc. Instrumentos foram citados: Rabecas, violas, de dez, doze e tantas cordas, percussão com pandeiro, com espora, com facão, gaitas de botão, gaitas de colher, gaitas imigrantes, etc. Geografias foram identificadas: Fronteira, serra, litoral, localidades teutos, ítalos, planaltos, etc. Culturas resgatadas: açoritas, afro, imigração alemã, italiana, espanhola. Indumentárias também identificamos: colares prateados, anel de marcassita, fichus de renda, chalés de macramê, ceroulas de crivo, chiripas de apala, bombachas com favos de botões, bombachas com moedas, bombachas com soutaches, bombachas negras, palas a meia-espalda, palas atados a cintura, palas de seda ponchos de crivo, chapéus de palha, chapéus de cutunina, copas tropeias, abas batidas, barbicachos de crina, barbicachos de seda, etc. Momentos foram eternizados: missas, carreiradas, carpas, carreteadas, tropeadas, bailes, pendengas, bochinchos, visitas domingueiras, ternos de reis, folias do divino, terno de atiradores, etc. E assim se vão longe as imagens... muitas e tantas, das quais sempre as vi, sempre conheci, nunca citei... poucos citaram.

Quem sabe não tenha me achado, quem sabe não deva escrever mais... citar mais esse tempo e esses elementos ainda pedindo cancha aos mais novos e aos de outras localidades das quais não vivenciaram elas mesmas!? Quem sabe os informantes de cada danças e cada canto antigo desses não esteja soprando suas lembranças em formas de vento aos meus ouvidos, para que sejam transformados em palavras, relatando tempos distantes, porém cada vez mais necessários aos valores de hoje, perdidos das importâncias humanas e de respeito!? Cada tema desses conta um pouco da nossa história... e está aí para falar da gente, do nosso RS e dos nossos antigos, pessoas que precisam de respeito e de evidencias em cima dos valores que tentaram deixar. Sou e somos um elo de ligação entre esses e os que vem.

O primeiro tema destes citados a cruzar em festival foi lá na Vigília: Tão bela flor Queromana, numa baita valsa, linda, composta pelo mestre Luiz Cardoso. Me orgulho muito desse tema, como e porque foi feita e de como foi apresentada em palco, tanto em Cachoeira do Sul quando em vacaria (trazendo o tema de volta ao meio das danças). A segunda foi apresentada em Campo Bom, num tema com grandes amigos do meio das danças, antigos... Meu nome não vale nada, baseado na Tirana do lenço (que em breve publico aqui para todos)! E a terceira, dessa vez (num tema do qual me gusta muito... e tanto), já está quase em palco, na sexta-feira, em Cachoeira do Sul, num dos festivais mais importantes da história do RS. E não vai mal a cavalo: a melodia é de um baita amigo, que vi crescer com as próprias pernas no meio dos festivais, lutando por suas bandeiras... Filipe Calvete Corso... e hoje, uma das maiores novidades melodistas que nossa estado já teve... Agradeço muito por essa parceria!!! Sem contar que em palco teremos outro grande amigo, da qual penso ser a maior voz desse nosso estado hoje... Raineri Spohr! Baita time e baita força... Assim, aproveito a deixa do tema apresentado (e explanado acima), para citar essa importância do que canto hoje e do que busco cantar, pois mais amigos se identificaram com essas imagens e aderiram ao “projeto”, nunca oficial... fico feliz e aplaudo a cada um, pois cada um trás sua história e seus valores para cada tema citado.

Para finalizar, agradeço ao irmão Leonardo Borges, homem de Santana do Livramento, gente de campo, imagem rural e cerne de respeito. A mesma Livramento de Paixão Côrtes, pedra fundamental do nosso conhecimento e palavra final na mesma, já citada acima. Leonardo foi aquele que abraçou mais do que ninguém a causa, entendeu a mesma e trabalha lado a lado, fazendo fiador para essa ideia, ainda um tanto utópica e distante do imaginado. Talvez não seja por acaso que de novo Livramento esteja dentre os que resgataram nossa cultura do mundo rural para o mundo do registro... Aproveito para intima-lo a, mais adiante, transformarmos essas dezenas de temas em um livro e um CD, com ilustrações suas, muito folclóre e comentários tantos sobre cada tema, juntando visões de campo aos mesmos e visões de palco harmonizadas juntamente. Te prepara meu galo! hahaha!

Encerro aqui este texto desejando uma ótima sorte e um baita palco a todos os concorrentes da Vigília, onde humildemente (como sempre) traremos ao palco um pouco da nossa história e do que somos e fomos!...

Contem comigo!...
...E muita coisa mais virá!


-x-x-x-x­­-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-



*Queromana Mariquita: Tema dos antigos, como um romance, recolhido e divulgado por Paixão Côrtes. Muitas quadrinhas e estórias da Queromana Mariquita (ou Queromaninha Mariquita, ou só Mariquita) se perderam com o tempo.
*Romance: Modo como os antigos chamavas poemas contando estórias folclóricas, ou décimas, ou Rimances. Ex.: Décima do potro baio – romance do potro baio – Rimance do potro baio.
*Curá o trote: Desenvolver e firmar o trote do bagual.
*Bagual: Animal equino em estágio de doma, também chamado de redomão.
*Colgar: atar, juntar, enlaçar.
Vigília do Canto gaúcho - Cachoeira do Sul/RS - Novembro de 2014




-x-x-x-x­­-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-



"A cultura assusta muito.
É uma coisa apavorante para os ditadores.
Um povo que lê nunca será um povo de escravos!"

Antônio Lobo Antunes

Nenhum comentário:

Postar um comentário