Por DIEGO MÜLLER

quarta-feira, 7 de março de 2012

Uma noite de agosto...

(Foto: Eron Vaz Mattos)

Uma noite de agosto
Eron Vaz Mattos

Que noite braba lá fora ...
Releio versos antigos,
delatores de outros tempos,
nos quais a alma bordava
- em tecidos de ilusões -
sonhos em lindos matizes
que pareciam tão fáceis
de pateá-los de à cavalo.

Pico um naco devagar
e o sentimento de xucro
me faz crescer a garganta!
Restevas de mocidade
nas dobras do pensamento!

O meu cavalo arrepiado
- sob este teto de zinco
que deixa escapar goteiras -
as orelhas de ouvir longes
e uma pata descansada,
balança a linda figura
na sombra que a lamparina
- movida ao sopro das frestas -
esparrama no galpão.

Alguns jujos pendurados
perto à cambona furada
onde a corruíra fez ninho!

O cusco procura a volta
por um lado, para outro
- dá uma puchada na terra -
de um buraquito redondo
- que ele abriu perto do fogo -
e se enrodilha de novo,
como quem vira os pelegos
e pega a volta do poncho
se acomodando no catre.

O vento insiste, forceja ...
- um trago forte, outro mate -
e uma pitada mais lenta!

Este meu poncho judiado
- um companheiro de sempre -
e o par-de-botas molhado
- sola queimada do estribo
e dos aros das esporas –
fazem parte do cenário
que o mundo bruto, lá fora,
reproduz em preto e branco
na tela humilde e soturna
estirada em quatro esteios
de cerne de coronilha.

Junto ao tição de espenilho
a cambona ensaia um canto
como pedindo silêncio!

Na velha trempe de arame
- meio cilhona do fogo -
o sangrador vai tostando
- como um remendo de morte
na prova da estupidez –
goteando lentos protestos
como se a dor respingasse
- em lágrimas, pela vida –
abrindo fumos de luto
no frágil painel de cinzas
entre o rubor dos tições!

Quedou-se muda a guitarra
ao recostar nos arreios
sua alma de vidala;
Pois nos momentos de prece
somente a quietude fala!

Pai nosso que estais no céu
precisai vir aos galpões !


Nestes silêncios que tenho
fico granando esperanças
embonecadas há tempo
nas hastes do coração;

Pois quem vive de à cavalo
e tem apenas domingos,
precisa enganar tristezas
multiplicando as pisadas
das quatro patas do pingo.

Quem pouco entende
este mundo,
cria basteiras em si;
e procura arrinconar
- nas emoções contrariadas –
amenidades vividas
- para iludir a razão –
como quem usa um pelego,
que foi sovado a capricho,
pra moldar bem os arreios
quando se aperta o cinchão.

A chuva timbra o agosto
com ganas de arrasar mundo,
e os cinamomos corpeam
como quem tenta escapar
de punhaladas que o vento
- com planchaços de friagem
lhes acaba de acertar!
A casuarina repete
o que aprendeu com os ventos
em consertos milenares;

Qual um músico no escuro
- com dedos encarangados -
sóbrio, nostálgico e só,
tocando em flauta dolente
a melodia que o tempo
escreveu na partitura
alongando a nota dó!

Pai nosso que estais no céu,
fazei voltar as estrelas
e as luas brandas, inteiras
-Refletidas nos serenos –
entre os mágicos aromas
que a primavera semeia
nos pastiçais destes campos.

Trazei de volta a alegria
dos cardeais abrindo o canto
entre galhos florecidos…
e a ingenuidade festiva
dos cordeiros retoçando
sobre os trevais das ladeiras…

Que noite braba lá fora…
componho o mate e prossigo
mirando a vida, de em pêlo,
-tranquear em rumo confuso-
no lombo duro do tempo!

(Foto: Eron Vaz Mattos)

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"Existe grande incompreensão, como se a cultura popular fosse obrigada a ter um elitismo, uma erudição para ter o seu valor. O povo também tem o direito de escolher, e não alguém a pretensão de impor a ele o que acha ser o direito, ser o melhor. E este é um ponto de vista conflitante com os críticos de música que acham letras notáveis, belas e extraordinárias... mas que o povo não canta!!! 
..Afinal, tem de haver música (nativista ou não) ao gosto da CULTURA de cada um!
...ou será que esse grupo humano (mais simples e rural) não faz parte da grande sociedade? Vamos roubar-lhe a liberdade de MANIFESTAÇÃO ESPONTÂNEA, do que lhe agrada, o que lhe toca mais de perto, no seu interior, dentro do mundo sócio-econômico cultural em que vive? 
...Acreditamos existir, muita boa música gaúcha para ser escutada. Talvez o problema é saber descobri-la, avaliá-la e VALORIZÁ-LA!!!"

(João Carlos D´Ávila PAIXÃO CÔRTES - Pesquisador, escritor, engenheiro agronomo aposentado, ex-presidente por 10 anos consecutivos da ardem dos músicos do RS, e cantor folclórico com 10 discos gravados, recebendo o prêmio de MELHOR CANTOR DE FOLCLÓRE DO BRASIL, no ano de 1964)

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