Por DIEGO MÜLLER

domingo, 26 de junho de 2011

festas juninas...


...Caipiras e gaúchos!!!


Características folclóricas, aspectos sociais e problemas 
pedagógicos nas escolas 

J. C. Paixão Cortes 
Correio do Povo de 04 de julho de 1965 


Há dias as Escolas Presidente Roosevelt e Roque Gonzales honraram-nos com um convite para uma palestra sobre as festividades juninas e a presença de caipiras e gaúchos. 

Tivemos então a oportunidade de falar a professores, jardineiras, mães, pais e alunos sobre o assunto, dando a nossa opinião. Do interesse despertado, resultou o presente artigo, refundido do que já havíamos publicado há tempos e acrescido de outras anotações. 

O céu voltou a ter suas estrelas habituais. A noite tornou-se menos iluminada. O ar já não cheira a fumaça e a vida volta à tranqüilidade. 

24 de junho passou. 
É que se foi São João. 

Mas ainda na retina e na mente de muitos, ficaram aquelas cenas do “Casamento da Roça” do Nho Calixtrato dos Anzões Direito com Nha Zefa do Buraco. Carroças enfeitadas, carretas coloridas, gente em pilungos e um verdadeiro batalhão de caipiras se deslocando em todas as direções. 

Falamos de um modo geral dos acontecimentos juninos nas vilas e cidades brasileiras. Naturalmente que em cada região do país, sofrem mutilações e adendos que as populações lhes dão, vindo a constituir “novos” motivos folclóricos, ligado unicamente à data, pelos festejos de significado religioso. 

No Estado de são Paulo, de onde advém as comemorações caipiras e que tivemos a oportunidade de assistir, possuem elas um significado religioso expressivo e o verdadeiro, o autêntico caipira tem uma devoção fervorosa a São João, embora Santo Antônio seja o casamenteiro e São Pedro guarde a chave do céu. 

Não só no interior, como nas vilas e cidades dos arredores da Capital paulista, é tradicional nos terreiros das residências o levantamento de um mastro alto, tendo na extremidade um quadro de madeira onde está a imagem de São João, bordada e adornada com variados símbolos de liturgia católica e especialmente arranjada para resistir aos efeitos das intempéries, por muito tempo. 

Essa tradição do Brasil-Sul não poderia deixar de atingir ao Rio Grande. 
Quando chegavam as Festas juninas, encontrava-se na zona de campo, outrora pelos Rincões do Alto Uruguai, Planalto Médio, Campos de Cima da Serra e Litoral, onde a influência bandeirante foi mais acentuada, também lenha disposta de forma característica e especial para cada fogueira : Santo Antônio, São João e São Pedro; o “Capitão do Mastro”, a lata de pinhão, a batata doce. 


Nas residências de desenvolviam os jogos de prenda e nos oratórios e capelas rezavam-se muitos terços, pois o caráter festivo de São João, estava intimamente ligado ao sentido religioso. Depois vinham os aspectos misticos da água da noite de São João, da limpeza de alma dos que passeavam descalços por cima das brasas da fogueira, etc. 

Se aparecia uma gaita era só para alegrar o ambiente, mas não para propiciar danças e nem para alguém entoar melodias especiais de “pula a fogueira Iaiá, pula a fogueira Ioiô”, ou o “balão vai subindo” ou ainda falando na noite de São João.
Nesse sentido não encontramos em nossas pesquisas nada musical, poético ou coreógrafico que se pudesse incorporar ao folclore junino. 
Para completar a noite vinham as “sortes” e uma infinidade de adivinhações e outros aspectos que merecem um artigo especial sobre o assunto. 

Hoje, em quase todo o Brasil, as festividades juninas tomaram caráter festivo social, desligadas do seu sentido de religiosidade e passaram a ser um acontecimento em que o ridículo e a fantasia representam o ponto “alto”. Aliás esta característica foi tomada dos grandes centros irradiadores de “modas” ou “novidades”. 

O caipira com calça a meia canela, casaquinho apertado , botinas ringideiras, lencinho de riscado ao pescoço e com chapéu de palha, tendo ao seu lado a companheira, com ar envergonhado, vestido de chita, com fita no cabelo, chapéu de palha, boca de coração, tomou conta de todo o Brasil nas festas juninas . Essa é a verdade ! Talvez em nenhuma parte do mundo, a não ser em nosso pais, se admita festa de São João sem caipira, o que poderá constituir, por si só, um acontecimento tradicional brasileiro. 


Sabemos que o Caipira é um tipo humano representativo de uma região brasileira, assim como o é o Vaqueiro, o Jangadeiro e o próprio Gaúcho, merecendo portanto como nosso irmão o nosso respeito. 

A vida simples e rústica, a falta de instrução, a deficiência de higiene, fatores hereditários e uma série de outros motivos fizeram do caipira um tipo humano, característico do interior paulistano. 

Por isso não podemos esquecer que também eles possuem belíssimas tradições regionais, que chegaram até nossos dias, cultuadas através de gerações de uma forma mais ou menos eloqüente sem a interferência ou incentivo maior de entidades preocupadas em revive-las. 

Se deturparam a figura do caipira, tornando-a extremamente ridícula e ate mesmo cômica, transformando-o em verdadeiro palhaço, foi pela falta de conhecimento do tipo verdadeiro. A imaginação jocosa não viu no caipira as qualidades e virtudes que possuí, ante as condições desfavoráveis do seu existir. 

Se as comemorações, hoje, pecam pela falta de autenticidade, é outro problema. Mas em traços gerais as festividades juninas constituem uma manifestação folclorica típica de uma região do Brasil, de irmãos do Estado de São Paulo, apropriada, com música, com balões coloridos, bebidas, salões com bandeirinhas multicores e, mais do que isso, vem enquadrar-se, e nosso Estado, no processo folclórico de adaptação à órbita citadina. 


Quanto ao tipo humano, como já vimos, é bem distinto do gaúcho, não só na maneira de falar, com corruptelas originais, como no vestir, pois não usa bombacha, bota, espora, guaiaca, tirador, camisa lisa, chapéu de feltro, barbicacho, pala, boleadeira, etc... 

Não vemos razão para confusões. Não entendemos também porque determinados grupos ou certa “gauchada”, querem terminar com as festas caipiras, por esta ou aquela razão, julgando-as um “carnaval fora de época”, em ”extravasamento de recalques” ou uma “ridicularização de costumes”. Será por que, pela ignorância do que é certo, num baile gaúcho aparecem “fantasiados” de caipira ou vice-versa ? Ou por que a sociedade tal anuncia “baile à caipira” “com roupa característica” à gaúcha ? Ou por que a professora da Escola X disse aos seus alunos que iria fazer uma grande festa com pinhão, batata doce, etc ... bem “à gaúcha” e que todos viessem “à caipira” ? 

Não ! Não somos contra a festa caipira, dentro dos princípios tradicionais e corretos. Somos , sim, contrários à mistura de costumes de caipiras e gaúchos, em festas como a de São João. 

E mais, a pretensa substituição da festa caipira por festa gauchesca. Se nos, gaúchos, temos uma tradição e a cultuamos, também os caipiras a possuem, e a mesma deve ser respeitada, pela sobrevivência do folclore nacional em suas mais puras manifestações. 
As festas juninas no Rio Grande do Sul, no seu sentido verdadeiramente folclórico, como já descrevemos em traços gerais, eram distintas das comemorações caipiras, e assim devem continuar sendo. 

Se o Movimento Tradicionalista procura através de suas atividades, dentro e fora do Estado, ensinar, divulgar e cultuar nossos motivos regionais por que não respeitar as tradições de outra região da nossa Pátria, representadas por um tipo genuinamente brasileiro (não discutimos o valor) como é o caipira, e já muitos anos nesta época cultuada por adaptações. Talvez se eles viessem de Pigale ou New York, sua consagração seria bem outra, cercados de vastos e bem dirigidas publicidades. 

Se as festas juninas praticadas no Rio Grande do Sul não representam a tradição gaúcha, mas um acontecimento social e festivo de determinada época do ano, que se aproveite esse embasamento psicológico de motivação folclorica para no dia 29 de junho, evocarmos o gaúcho na pujança de suas manifestações, com as danças do Siriri, do Pézinho, Balaio; com mastro, com comidas típicas; com prendas e vestidos compridos; bombachas, chiripás, e sem a presença do espirito acaipirado. Que se crie uma festa gauchesca (como se fez com o 20 de setembro) no mesmo impulso junino, para que, em torno de São Pedro – Padroeiro do Rio Grande -, se institua uma forma pedagógica de transmitir festivamente através de escolas, clubes e outros agrupamentos sociais, a mensagem mais pura da tradição gauchesca.


- * - * - * - * - * - * - * - * - * -

(Capurro - Uruguai)

Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo!
(Monteiro Lobato)

Nenhum comentário:

Postar um comentário