(Fotos de Fábio Soares)
Nhô joão, o tropeiro (*)
Por essas noites de frio,
Batidas de água e tufão,
Num rancho, à beira do rio,
Eu me quedo, horas a fio,
A conversar com nhô João.
É um velho... Rude e trigueiro,
Envolto num ponche azul,
Fumando, a olhar o braseiro,
Começa o antigo tropeiro
Contar-me histórias do Sul.
Ao longe, muito a distância,
Os tempos perdem-se já,
Em que ele, todo arrogância,
Ia de estância em estância,
Buscando tropas por lá.
Na sua besta tordilha
De manchas brancas no pé,
Nhô João, tocando a tropilha,
Cortava muita coxilha
Para chegar em Bagé!
E lá, de tais cercanias,
Ele, viril rapagão,
Puxava, dias e dias,
Pontas de mulas bravias.
Para vender no sertão.
Que linda! Assim que a alvorada
Tingia o céu de listrões,
Já a tropa, a chucra manada,
Trotava ao longo da estrada,
Por entre a grita dos peões:
Eh mula! Vorta! Caminha!
E os ecos vibravam no ar,
Enquanto, lerda e sozinha,
Ia na frente a madrinha
Com seu cincerro a tocar...
Que vida simples e honesta!
Como era bom, no verão,
Ter o descanso da sesta,
No meio duma floresta,
À beira dum ribeirão!
À tarde, quando caía
A sombra crepuscular,
Era de ver a alegria,
Com que a peonada escolhia
Um sítio para acampar.
Então, descendo as bruacas,
Queimados, fulvos de suor,
Sobre improvisas estacas,
Erguiam logo as barracas,
Soltando a tropa em redor...
Ah, nada mais delicioso,
Ah, nada mais doce então,
Do que, na calma do pouso,
Ter um churrasco cheiroso,
E a cuia de chimarrão!
E entre histórias de rodeio,
Contos, gauchadas febris,
Aos poucos, num devaneio,
Sobre os pelegos do arreio,
Dormir um sono feliz...
E o velho, a voz rude e grossa,
Relembra com efusão:
"Que viage... Êta festa - nossa!
— No dia em que Ponta Grossa
Despontava no espigão..."
A história sempre ele acaba,
Pintando, com muita cor,
As feiras de Sorocaba,
Onde encontrara uma "diaba"
Por quem morrera de amor...
Assim, lembrando o passado,
Nhô João, com frio desdém,
Termina desconsolado:
"Hoje tá tudo mudado!
Vem tudas coisa no trem...
E ali, no humilde pardieiro,
Envolto num ponche azul,
Saudoso, olhando o braseiro,
Conta-me o velho tropeiro
Longas histórias do Sul...
(Fotos de Fábio Soares)
(*) Primeiro poema declamado por Paixão Côrtes,
muito antes das pesquisas sobre o tropeirismo biriva, na década de 40.
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Paulo de Oliveira Leite Setúbal
Era casado com Francisca de Sousa Aranha (filha de Olavo Egídio de Sousa Aranha e de Vicentina de Queiroz Aranha), com quem teve três filhos: Maria Vicentina, Teresinha e Olavo Egídio Setúbal.
Formou-se, em 1914, bacharel em direito, em São Paulo. Na época já havia tido poema publicado na primeira página do jornal A Tarde. Em 1920ocorreu a publicação de seu livro de poesia Alma Cabocla, cuja edição, de três mil exemplares, esgotou-se em um mês. Entre 1925 e 1935publicou vários romances históricos, entre eles A Marquesa de Santos, O Príncipe de Nassau e A Bandeira de Fernão Dias. Em 1926, trabalhou como colaborador do jornal O Estado de S. Paulo. Nos anos de 1928 e 1930 foi deputado estadual, mas renunciou ao mandato por ter agravada sua tuberculose.
Publicou, nos anos seguintes, livros de contos, crônicas e memórias. Poeta vinculado à estética parnasiana, Paulo Setúbal tematizou em seus versos a vida dos camponeses, dos caboclos do interior de São Paulo. Pela escolha do tema, na época foi chamado de "poeta regional".
Foi também famoso e respeitado autor de obras de temática histórica, dentre as quais se destacam o romance A Marquesa de Santos (1925) e o livro de crônicas O Ouro de Cuiabá (1933).
Foi eleito em 6 de dezembro de 1934 para a Academia Brasileira de Letras, sucedendo a João Ribeiro na cadeira 31. Foi recebido em 27 de julhode 1935, pelo acadêmico Alcântara Machado.
(Fotos de Fábio Soares)
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"Mas tu (que rude contraste), tu que jamais beijastes, tu que jamais abracei, só tu nesta alma ficaste de todos que amei!!!..."
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