segunda-feira, 18 de julho de 2011

Encarcerar a asa...

... de Sebastião da Gama!


"Encarcerar a asa é encarcerar a alma. Isso sim. É que há muita asa que não pensa; asas que não sintam é que não.
Mas eu não preciso do símbolo para ver os pássaros na gaiola. Basta-me ser fraterno. Para que vivemos no mundo há tanto tempo, se não sabemos ainda que os bichos são criaturas com alma?... Até os das fábulas, quando calha... Ora pensem lá um bocadinho no " Leão Moribundo"... É um leão mesmo, ou é principalmente um leão. Quantas vezes se esquecem os fabulistas de que era de homens que queriam falar!
Asa encarcerada não. Nem asa de pássaro nem asa de grilo. Uma fê-la o Senhor e disse-lhe: " Voa!" À outra: " Canta!" A nenhuma ( nem a nós deu a ordem, claro está) que se metesse numa gaiola. No entanto é a gaiola o domicílio habitual muito habitual do pássaro e do grilo. Ao grilo prendem-no as crianças, sob o sorriso dos pais. Ao pássaro os pais sob o sorriso dos filhos. Má escola esta. Principalmente porque se diz: "Que bem que canta!, Que bem que canta!". Nem se chega a aprender a diferença que vai do canto ao choro. Pois um pássaro encarcerado canta lá?!... Os pássaros cantam é nas linhas do telefone, nas árvores, nas beiras do telhado... Os grilos é na toca ou ao pé da serralha. Na gaiola choram. É o fado dos ferros."

Sebastião da Gama
1924 – 1952

Azeitão, Portuga


Sebastião Artur Cardoso da Gama nasceu a 10 de Abril de 1924, em Vila Nogueira de Azeitão. Nesta mesma vila fez a escola primária. Fez os estudos liceais no Liceu Nacional de Setúbal e no Liceu Pedro Nunes em Lisboa. Aos catorze anos foi-lhe diagnosticada uma tuberculose óssea pelo que, por razões terapêuticas, passou a viver no Portinho da Arrábida e prosseguiu o currículo liceal no regime de estudo individual.
Em 1942, matricula-se na Faculdade de Letras de Lisboa onde, em 11 de Julho de 1947, se licencia em Filologia Românica com a classificação de 17 valores, defendendo a tese sobre o tema “A Poesia Social do Século XIX”. Foi ainda enquanto estudante, em 1945, que editou o seu primeiro livro de poemas: Serra-Mãe.

Terminado o curso em 1947, nesse mesmo ano é colocado como professor provisório na Escola Comercial e Industrial de João Vaz, em Setúbal. Também, em 1947, edita o seu 2º livro de poemas: Cabo da Boa Esperança.
Permanecerá em Setúbal, como professor provisório, até Janeiro de 1949. É precisamente em 11 de Janeiro de 1949 que, inicia o estágio pedagógico na Escola Comercial de Veiga Beirão, em Lisboa. Por sugestão do seu metodólogo, inicia a escrita do Diário que, valendo-lhe como trabalho de estágio, é hoje considerado obra de leitura obrigatória para todos os professores.

No ano lectivo de 1950/51 inicia as suas funções como professor efectivo da Escola Comercial e Industrial de Estremoz. É neste ano lectivo que publica o seu terceiro livro de poemas: Campo Aberto.
Vítima de doença que o perseguia desde os catorze anos morre na madrugada do dia 7 de Fevereiro de 1952, no Hospital de S. Luís, em Lisboa.

Obras publicadas em vida
- Serra Mãe (1945)
- Loas a Nossa Senhora da Arrábida (1946, em colaboração com Miguel Caleiro)
- Cabo da Boa Esperança (1947)
- Campo Aberto (1951)

Postumamente
- Pelo Sonho é que Vamos (1953);
- Diário (1958);
- Itinerário Paralelo (1967: compilado por David Mourão-Ferreira);
- O Segredo é Amar (1969);
- Cartas I (1994).


Pequeno poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...

Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
Bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...


Somos de Barro

Somos de barro. Iguais aos mais.
Ó alegria de sabe-lo!
(Correi, felizes lágrimas,
por sobre o seu cabelo!)

Depois de mais aquela confissão,
impuros nos achamos;
nos descobrimos
frutos do mesmo chão.

Pecado, Amor? Pecado fôra apenas
não fazer do pecado
a força que nos ligue e nos obrigue
a lutar lado a lado.

O meu orgulho assim é que nos quer.
Há de ser sempre nosso o pão, ser nossa a água.
Mas vencidas os ganham, vencedores,
nossa vergonha e nossa mágoa.

O nosso Amor, que história sem beleza,
se não fôra ascensão e queda e teimosia,
conquista... (E novamente queda e novamente
luta, ascensão... ) Ó meu amor, tão fria,
se nascêramos puros, nossa história!

Chora sobre o meu ombro. Confessamos.
E mais certos de nós, mais um do outro,
mais impuros, mais puros, nós ficamos.


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Não existe verdadeira inteligência sem bondade.

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