...O famoso sapateador gaúcho!
J. C. Paixão Cortes
Correio do Povo de 13 de outubro de 1966. Porto Alegre
Quando em 1949, regressávamos de Montevidéu, onde integrando uma delegação do “35 Centro de Tradições Gaúchas” representamos o gaúcho brasileiro por primeira vez nas comemorações do dia “de la tradición” e onde as bandeiras da Argentina, Uruguai e do Brasil tremularam unidas, conduzidas por gaúchos em pingos de lei garantiram o destaque com que o mundo oficial, governamental do país amigo, emprestava aqueles atos.
Sentimos a grandiosidade deles no sentido patriótico popular e a seriedade com que os nativistas das entidades tradicionais os encaravam.
Por entre as “tropeadas” dos desfiles, passamos pelos notáveis monumentos da “Carreta” e “Nuevo Rumbro”, “mateamos” onde Artigas cevava “su cimarron”. Participamos de “entreveros” poéticos; ouvimos o som da guitarra, o “contrapunto” dos payadores; revivemos gineteadas e tiros de bolas.
Foi depois de uma peña de bailes típicos, em que se destacou a graça de uma “criolla” numa “zamba” e o sapateado vibrante de um “campesino” num “Malambo”, que ouvimos falar por primeira vez em “Perico – el bailarin”.
Nesse rodeio de cultura e arte, o orador dizia dos hábitos e costumes comuns na formação do tipo gaúcho do Uruguai e do Brasil. Entre figuras e fatos, citou o nome do brasileiro Pedro José Vieira, hoje integrado nas páginas históricas dos primórdios da Independência Uruguaya..
Sinceramente, fomos tomados de surpresa e não tivemos coragem, distante da pátria e naquela situação, de confessar nosso desconhecimento ou fazer alguma pergunta a respeito desse patrício.
Estávamos nessa época, recém iniciando nossos trabalhos de pesquisas folclóricas com Barbosa Lessa. Não imaginávamos que, passado algum tempo viéssemos a recolher cerca de motivos coreográficos gauchescos e mais, encontrar a figura de Pedro José Vieira entre os sapateadores rio-grandenses. “Gozava ele de grande popularidade entre os gaúchos uruguaios, devido principalmente a sua destreza e originalidade na execução de sapateados. Nascido em Jaguarão, após a conquista das Missões e o traçado das fronteiras, foi se estabelecer em Soriano, na República Oriental, onde adquiriu o cognome de “Perico, el Bailarin”.
Sua presença nos bailes campeiros, era sempre festejada pois ele constantemente trazia “novidades” inclusive “zapateando de zancos”, isto é, de pernas de pau, segundo informa um documento da época. Graças a sua habilidade de sapateador e a seu espirito franco e folgazão, Pedro José Vieira tornou-se um verdadeiro líder dos campeiros de Soriano. E foi nessas condições, que, em 1811, tendo a seu lado Venâncio Benavides, deu o celebre “Grito de Assêncio”, precursor da liberdade uruguaia. Consciente do papel que representava – batendo pela independência americana – Pedro José Vieira teve o cuidado de declarar, mais tarde, quando as tropas brasileiras, em plena luta da libertação uruguaia, invadiram a Banda Oriental, satisfazendo assim ao desejo imperialista de D. João VI :
“ – Sempre fui e sempre serei rio-grandense. Mas o povo uruguaio luta por uma liberdade que merece, e lutarei a seu lado, mesmo que seja contra os soldados de minha terra” (*).
E realmente, Pedro José Vieira lutou com denodo em prol da independência uruguaia, da mesma forma que, posteriormente, ao vir se estabelecer em Piratini, no Rio Grande do Sul, lutou com entusiasmo e perseverança, em 1835, em defesa da causa republicana.
Legitimo campeador de nossas fronteiras, amante da liberdade e da terra americana, esse dançarino gaúcho – Perico – el Bailarin – certamente sintetiza, em sua figura legendária, o espírito de fraternidade que mais tarde – passada a borrasca das guerras e revoluções – enviuvaria num mesmo sentimento crioulo os povos irmãos e amigos do Uruguai, da Argentina e do Rio Grande do Sul”. (1).
Antes de finalizar estas breves notas, desejamos sugerir aos Centros de Tradições no nosso Estado, que vêm promovendo realizações a fim de destacar os melhores sapateadores de danças folclóricas, o seguinte : dar o nome de Pedro José Vieira – “Perico, el Bailarin”, ao prêmio “Melhor Sapateador”. A nossa sugestão estende-se à Divisão de Tradição e Folclore, responsável oficial pelos Concursos de Danças Gaúchas, promovidos pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado.
Oxalá, algum departamento de danças de um Centro de Tradições ou como patrono de um conjunto folclórico. Será uma homenagem justa do tradicionalismo à figura de Pedro José Vieira, tão pouco conhecido na história do pago.
- * - * - * - * - * - * -
“Não esqueças tua história nem teu destino.”
Bob Marley
Nenhum comentário:
Postar um comentário